Quem é seu pai? Essa pergunta te parece simples de ser respondida? Seria um ascendente genético? Ou seria um nome no seu documento? Seria talvez a existência de uma figura masculina na sua vida? Ou, quem sabe, seja alguém que proveu sua casa materialmente? É… Parece que a resposta pode não ser tão simples. Ela pode ser respondida de formas diferentes por diferentes áreas do conhecimento, especialmente quando levamos em consideração as estatísticas de abandono parental (no sentido jurídico). Mas aqui, vamos tratar da questão emocional, aquilo que é particular da experiência de cada pessoa.
Para a psicologia, a paternidade não pressupõe uma ligação biológica nem um papel necessariamente atrelado ao gênero, mas uma função no desenvolvimento afetivo e um papel sociocultural na história de cada um. É como a conhecida expressão “pai é quem cria”. Assim, se há algo criado por esse pai, este seria um ponto de partida na vida do sujeito.
Então, quem te apresentou ao mundo, te mostrou e te preparou para os desafios da realidade para além da proteção familiar? Somos criados apenas por indivíduos? Aparentemente não. Instituições que acolhem e objetivam formar princípios humanos e sociais, também exercem essa função. Um exemplo disso são as instituições educacionais.
Percebe como a função paterna se mostra essencial para a formação de um indivíduo saudável? Isso abre reflexões sobre os desafios da PERDA desta figura. E aqui é preciso compreender que não há limitação de faixa etária neste assunto: a morte é comum a todos e até as mais jovens crianças devem ser inseridas na experiência familiar do luto, com seus ritos e cerimônias. Muitas vezes estas são excluídas na intenção de poupá-las de algo que já as atingiu. É necessário tratar as crianças como sujeitos, com experiências afetivas legítimas e que demandam espaço de fala.
A psicanálise compreende o luto como um processo saudável e demorado, onde o sujeito que perde precisa se reorganizar diante da partida desse outro. Nos laços de amor existe um investimento afetivo, que se apresenta, por exemplo, na presença desse outro na sua vida, em seus pensamentos, rotina e planos. A elaboração do luto envolve uma mudança no espaço afetivo, um vazio espaçoso que hora quer ser preservado, hora quer ser preenchido por algo que não existe.
A vivência do luto envolve uma reorganização do que permanece. O sujeito enlutado remonta sua história, considerando o novo cenário, sem a presença daquela figura de amor. Re-significar uma história leva tempo e as novas dinâmicas sociais, com imediatismos e negação da dor, não favorecem o processo de elaboração do luto.
Na história da humanidade, percebemos que cada civilização pôde criar modos de ritualizar a morte, como forma de demarcação da finitude. No Egito antigo encontramos pirâmides e sarcófagos que simbolizavam a passagem dos faraós. No ocidente, temos velórios, cemitérios e lápides, além dos ritos específicos de cada religião e recortes culturais da região. Mas a modernidade trouxe consigo cobranças por produtividade e eficiência, e isso se estendeu nas ciências, com expectativas de curas imediatas, busca por longevidade e, por consequência, aversão ao tema da morte. Assim, os velórios se tornaram cada vez mais breves, os cemitérios mais distantes do centro da cidade e as lápides mais padronizadas. A morte não tem espaço na vida cotidiana. Há fuga da dor e pressa para a cura.
Mas como a pressa vai auxiliar uma cura que tem por pré-requisito O tempo, e não UM tempo? Não há prazo fechado para elaboração de um luto, cada um vive à sua maneira, há variantes de diversas ordens, cada situação é única e por vezes essa dor precisa de uma atenção especial para ser vivida e elaborada de forma saudável, e, nesse ponto, entraria também o papel do psicólogo.
Se pai é quem cria, o que significa “criar”? Bem, o dicionário diz que criar é “fazer existir; dar origem a partir do nada; formar, gerar, dar origem”. Partindo disso, talvez possa compreender que se você nomeou alguém como pai, ele cumpriu uma função. Ele faz parte da sua estruturação enquanto pessoa, te promovendo proteção e visão de mundo, lei e, consequentemente, te preparando para as faltas que encontrará na sua vida. E é a partir dessas faltas que o sujeito se torna um ser também criativo, capaz de criar estratégias para lidar com as adversidades da vida. A psicologia reforça esse processo criativo, pois não apresenta respostas prontas, mas auxilia o sujeito a encontrar a SUA resposta.
A morte é muito mais que um acontecimento orgânico, ela é carregada de sentidos sociais. Assim, é importante identificar outros sujeitos que partilham da sua dor, buscar modos de representar essa despedida, se utilizando de elementos que façam sentido para você e seus entes. No contexto de isolamento social há um agravo acerca da experiência nos cemitérios, que por vezes se torna inviável. Mas o que você busca nesse espaço? Quais os sentidos atribuídos nessas cerimônias? Pense sobre isso e perceba que o principal sentido se dá na sua experiência emocional e no compartilhamento dela com outros. É necessário confiar e investir na capacidade CRIATIVA e nos afetos para que no apoio mútuo seja possível simbolizar e dar destino saudável às dores da partida de quem te CRIOU.
Autor: Deysiane Macêdo e Psicóloga Clínica (CRP:02/19812) e professora da UNIFAVIP